Burnout já pode ser considerado doença ocupacional
Em janeiro de 2022, um juiz da 6ª vara do Trabalho de Ribeirão Preto/SP determinou que a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) abrisse uma Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT) para um advogado da estatal com diagnóstico de Síndrome de Burnout, afastado das atividades por 90 dias por determinação médica. O magistrado sinalizou que a saúde do trabalhador é conteúdo essencial da dignidade da pessoa humana, “não podendo, jamais, ser postergada sua proteção e, em caso de doença, o tratamento mais adequado deve ser o mais breve possível”.
Casos como esse tendem a ser mais comuns depois que a Síndrome de Burnout passou a constar como doença ocupacional na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde de número 11 (CID-11), elaborada pela Organização Mundial de Saúde. A mudança de status passou a valer no dia 1º de janeiro de 2022, sendo definida como “resultante do estresse crônico no local de trabalho que não foi gerenciado com sucesso”.
Segundo a OMS, a Síndrome de Burnout é caracterizada por três dimensões, diretamente ligadas ao contexto ocupacional – não podendo ser usadas para descrever experiências em outras áreas da vida:
- Sentimento de exaustão ou esgotamento de energia;
- Aumento do distanciamento mental do próprio trabalho, sentimentos de negativismo ou cinismo relacionados ao próprio trabalho;
- Redução da eficácia profissional.
Ou seja, o burnout é um distúrbio caracterizado pelo sentimento de exaustão extrema, estresse e esgotamento físico e mental, resultantes de uma carga de atividades desgastante e de um ambiente com alta competitividade e excesso de responsabilidades. A nova classificação da OMS mostra que a síndrome é uma doença relacionada ao trabalho e não ao trabalhador, dando responsabilidade jurídica para a empresa nos casos diagnosticados.
E é preciso ficar atento a esse cenário, pois uma pesquisa da Associação Internacional de Gerenciamento do Estresse (Isma-BR) indicou que 72% dos brasileiros no mercado de trabalho possuem algum problema gerado pelo estresse. Desse total, 32% sofrem de burnout e 92% destes seguem trabalhando normalmente.
Origem do termo burnout
De acordo com o artigo Análise da produção científica sobre a Síndrome de Burnout no Brasil, as primeiras menções ao termo burnout foram realizadas na década de 1950, em um estudo de caso sobre uma enfermeira psiquiátrica desiludida com o trabalho. Em 1960, o termo foi mais uma vez utilizado para relatar a história de um arquiteto que abandonou a profissão devido a sentimentos de desilusão. Mas foi só na década de 1970 que o psicanalista estadunidense Hebert Freudenberger usou a expressão para condensar os sintomas de esgotamento físico e mental que percebeu em si mesmo e nos colegas de trabalho.
Mas mesmo que o termo tenha surgido apenas no século XX, a doença não é um fenômeno recente. Alguns pesquisadores defendem que o burnout tem início na Revolução Industrial, no século XVIII. As condições de trabalho insalubres, as muitas horas de expediente e as atividades repetitivas levavam as pessoas à exaustão. Mas como as questões sobre qualidade de vida no trabalho só começaram a ser discutidas com mais profundidade após a Segunda Guerra Mundial, o tema só veio à tona após esse período.
O artigo aponta três fatores determinantes para o crescimento do interesse pelo burnout. O primeiro são as modificações nos conceitos de saúde e o destaque dado à melhoria de vida pelo OMS. Em segundo lugar, o aumento das demandas e exigências da população em relação aos serviços sociais, educativos e de saúde. Por fim, a conscientização de pesquisadores, órgãos públicos e serviços clínicos sobre a doença, entendendo melhor qual a necessidade de aprofundar os estudos e a prevenção.
Sintomas do burnout
O Ministério da Saúde sinaliza que os sintomas do Burnout envolvem nervosismo, sofrimentos psicológicos e problemas físicos. O princípio da doença pode envolver casos de estresse e falta de vontade de sair da cama ou de casa. Em casos mais extremos, o burnout pode até mesmo evoluir para ansiedade generalizada ou depressão.
Os sintomas costumam surgir de forma leve, mas tendem a piorar com o passar dos dias. Para evitar complicações, é preciso apoio profissional. Então, fique atento aos principais sinais:
- Cansaço excessivo, físico e mental;
- Dor de cabeça frequente;
- Alterações no apetite;
- Insônia;
- Dificuldades de concentração;
- Sentimentos de fracasso e insegurança;
- Negatividade constante;
- Sentimentos de derrota e desesperança;
- Sentimentos de incompetência;
- Alterações repentinas de humor;
- Isolamento;
- Fadiga;
- Pressão alta;
- Dores musculares;
- Problemas gastrointestinais;
- Alteração nos batimentos cardíacos.
Os sintomas ainda são bastante confundidos com depressão, estresse e crises de pânico, mas os psicólogos e psiquiatras precisam estar preparados para entender o contexto e realizar um diagnóstico mais assertivo dos casos. “É preciso ver a pressão sob a qual os colaboradores estão sendo expostos, como é a relação de trabalho dos funcionários e buscar, cada vez mais, preservar a saúde mental de todos”, explica Marcos Tonin, executivo em Recursos Humanos, em entrevista para o Valor Investe.
Como é o diagnóstico?
Por se tratar de um transtorno mental, o diagnóstico deve ser feito por psicólogos ou psiquiatras especialistas na análise clínica. São eles os profissionais mais indicados para avaliar o histórico do paciente, o grau de envolvimento e a realização pessoal sentida na empresa. Segundo o blog do Drauzio Varella, a utilização de respostas psicométricas baseadas na Escala Likert – muito usada em questionários para avaliar o nível de concordância ou discordância sobre afirmações – também contribui para o processo.
Mas o principal nesse caso é buscar ajuda profissional. Por se tratar de uma questão mental e pelas características atuais do trabalho no mundo, muitas pessoas acabam negligenciando os sintomas sem saber que algo mais sério está ocorrendo. Caso haja qualquer suspeita de esgotamento profissional, até mesmo no Sistema Único de Saúde (SUS) oferece o tratamento necessário, do diagnóstico aos medicamentos. Para isso, basta ir até uma Rede de Atenção Psicossocial (Raps) mais próxima e realizar a solicitação.
Como prevenir o burnout?
Agora que a Síndrome de Burnout passou a ser vista como uma doença ocupacional, cabe às empresas realizar o devido trabalho de prevenção para evitar o surgimento de novos casos. “As pessoas que estão à frente das equipes precisam ficar atentas aos seus liderados. A partir do momento que eles perceberem um nível de estresse ou de acúmulo de trabalho muito alto, é preciso tomar medidas para evitar situações mais extremas, como um afastamento ou uma ação trabalhista”, explica o advogado Peterson Muta, em entrevista para a Época Negócios.
Ou seja, cabe às empresas criar um ambiente voltado para os cuidados com a saúde mental dos funcionários. A pesquisa Top Employers Institute, que entrevistou 1.300 empregadores do Brasil e do mundo, mostrou que o Brasil se destaca quando o tema é trabalho além da carga horária – 71% das organizações possuem iniciativas contra essa prática, número 15% maior em relação à média global. Mas o cenário não é tão positivo em outros aspectos. Apenas 61% possuem programas antiestresse e de prevenção à ansiedade corporativa, contra 82% da média mundial. Com relação a programas de prevenção ao burnout, o número chega a 23% – a média global é de 35%.
E as empresas podem tomar algumas atitudes simples para evitar o surgimento de novos casos:
- Incentivar ou oferecer acompanhamento psicológico aos profissionais;
- Traçar metas realistas a serem atingidas;
- Incentivar o bom relacionamento interpessoal da equipe;
- Cumprir todas as normas de Segurança e Saúde do Trabalho;
- Oferecer benefícios pensando no bem-estar individual e coletivo;
- Promover reuniões constantes de acompanhamento e suporte das equipes;
- Evitar a promoção de horas extras;
- Incentivar a prática de exercícios físicos.
Além disso, segundo o Ministério da Saúde, há atitudes que podem ser tomadas de forma individual para prevenir o burnout:
- Definir pequenos objetivos na vida profissional e pessoal;
- Participar de atividades de lazer com amigos e familiares;
- Fazer atividades que saiam da rotina diária, como passear, comer em restaurante ou ir ao cinema;
- Evitar contato com pessoas “negativas”, especialmente as que reclamam do trabalho ou dos outros;
- Conversar com alguém de confiança sobre o que se está sentindo;
- Fazer atividades físicas de forma regular, como academia, caminhada, corrida, bicicleta, remo, natação etc.;
- Evitar o consumo de bebidas alcoólicas, tabaco ou outras drogas;
- Não se automedicar nem tomar remédios sem prescrição médica.
O tratamento
Após o diagnóstico realizado, o profissional indicará a melhor forma de tratar os sintomas do burnout – geralmente com uma combinação de medicamentos e terapias.
O psicólogo será responsável por auxiliar o paciente a desenvolver as estratégias para combater as questões que o afligem. Isso envolve desde aumentar o autoconhecimento com as sessões de análise até uma orientação para mudança de hábitos que auxiliem na melhoria do caso. O atendimento é sempre individualizado, de modo que o psicólogo possa entender a gravidade do caso e orientar o tratamento de acordo com as necessidades de cada indivíduo. Já o psiquiatra será responsável pela parte medicamentosa, caso seja necessário.
Cuidados nas empresas
A necessidade de ações para a proteção da saúde mental do trabalhador é prevista em lei e cabe aos gestores executá-las da melhor forma possível. Mas, para além da legislação, o apoio e acolhimento tornam o ambiente mais agradável, promissor e caloroso, principalmente em momentos de tantas incertezas. Invista na saúde mental de seus colaboradores e conte com o atendimento psicológico da Sercon para contribuir com o bem-estar coletivo e o clima laboral na sua empresa.
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